Boa noite. Quando me convidaram para ser patrono, aceitei pelo fato de ser a ESPM e de o convite vir de uma pessoa que eu considero muito: o grande profissional de mídia Paulo Chueiri.
E gostaria de frisar que aceitei mesmo estando de férias.
Neste momento, minhas duas filhas, Luiza e Stella, estão em Campos do Jordão achando que sou um Mané ou, na linguagem delas, um tatu-bola porque saí daquela mordomia e da companhia delas.
O fato é que eu as deixei lá, por um dia, porque achei que era importante fazer algo que senti falta que fizessem no dia da minha própria formatura: dar um testemunho.
Quando perguntei sobre o que deveria falar, disseram-me que geralmente um patrono fala de si, de sua carreira e de seu sucesso para inspirar os formandos.
Mas em vez de falar do sucesso, que é um prato pronto, achei que seria mais útil para vocês se eu falasse da receita e de alguns ingredientes.
É só a minha receita. Mas, se ela ajudar um pouco vocês nos seus próprios pratos, vou ficar feliz.
Então, vamos lá.
1. Não procure atalhos.
Sempre digo que o Paulo Chueiri, que me indicou para ser patrono hoje, foi a pessoa que deu o pontapé inicial na minha carreira.
Foi um pontapé na bunda, porque ele me mandou embora, com toda justiça e delicadeza, do departamento de mídia da agência onde era diretor e eu assistente de mídia júnior.
Eu estava começando e cometi um erro colossal, colocando a agência numa posição difícil perante o cliente.
Na verdade, eu não era bom no que fazia e, verdadeiramente, queria estar em outra área da agência que era realmente meu sonho: a criação. Mas achei que entrando numa agência por qualquer porta, depois poderia tentar me transferir. Ingênuo engano.
Aprendi rápido que não existe atalho nesta profissão.
E que você não deve usar uma área e seus profissionais como trampolim para outra. Nesse sentido o Paulo, ao me mandar embora do atalho, ajudou-me a voltar para a estrada.
Porque aí eu decidi que, demorasse o quanto fosse, eu iria entrar numa agência pela área que eu realmente queria, por mais difícil e concorrido que fosse.
Não sei se já fiz isso, mas aproveito para agradecer publicamente ao Paulo, um dos grandes da mídia, pelo pontapé inicial na minha carreira.
Doeu na hora, mas por causa desse pontapé na bunda não me tornei um bunda-mole.
2. Pânico é para amadores.
No decorrer da vida, vocês vão passar por muitas situações em que vão ter medo. E são muitos os tipos de medo:
– Medo da folha em branco.
– Medo de não ter uma idéia genial.
– Medo de contar uma idéia genial para alguém e acharem que ela é uma merda.
– Medo de acharem que você não é tão bom quanto pensa que é.
– Medo de descobrir que você não é tão bom quanto pensa que é.
– Medo de não dar conta. Medo de não ser aceito. Medo de ser mal entendido. Medo de casar. Medo de não casar. Medo de separar. Medo de ter medo. Medo, medo, medo.
Descobri que não existe nada errado em você ter medo. O problema é o medo ter você. É isso que se chama pânico. E acontece muito. Como profissional e como pessoa, a gente tem que aprender a dominar o medo para não ser dominado por ele. Cada um tem um jeito para isso: falar consigo mesmo nos momentos de crise. Falar com o espelho. Falar com Deus, para aqueles que acreditam, ou com o analista, que alguns acham que é Deus.
Vale tudo. Ache o seu jeito. O seu canal consigo mesmo. A chave do seu autocontrole. E acredite numa coisa: quanto mais profissional você ficar, menos medo vai sentir. E, se eventualmente vier a sentir, diga para si mesmo: pânico é para amadores.
Eduque os sentidos.
Todo mundo nasce com cinco. Alguns até com seis. Mas olhar não significa saber enxergar. Ouvir não significa saber escutar. Sentir o gosto não significa saber apreciar. E assim por diante.
A educação dos sentidos é uma das coisas mais importantes que vocês podem fazer por vocês como pessoas e como profissionais.
Treinem o olhar com cinema, exposições, artes plásticas, arquitetura, moda, fotografia. Tudo que aprimore o senso estético, fundamental na profissão.
Treinem o ouvido com música, com os textos do teatro e com o silêncio. Aliás, o silêncio é muito importante. Saber ouvir é duas vezes mais importante que saber falar. É isso que significa ter duas orelhas e apenas uma boca.
Na verdade, os sentidos são a sua interface com o mundo.
São o seu software pessoal. E precisa sempre de updates.
Por isso, leia, assista, ouça. Aprenda a tomar vinho. Fique mais exigente. Seja mais curioso. Saiba do que estão falando. Saiba do que está falando.
Seja o melhor você que você puder ser.
3. Sentir-Pensar-Agir.
Infelizmente não existe um modelo de comportamento tamanho único para todo mundo usar e dar certo na carreira e na vida.
Mas a coisa mais próxima que achei disso foi esta regrinha de três:
Primeiro sinta, depois pense e então aja. Nessa ordem.
Simples, mas longe de ser simplória. Porque se você inverter esses três elementos ou eliminar qualquer um deles da equação, vai identificar quase todos os males do mundo.
Quanta gente vocês não conhecem que sente, pensa, mas não age? Quantas que sentem e agem sem pensar?
E as que pensam e agem sem serem movidas por qualquer sentimento? Façam o exercício, eliminem, invertam e vão reconhecer uma porção de gente e situações nele.
Só para dar um exemplo prático, recente, pensem na final da Copa de 2006: Itália x França. Zidane perdeu a cabeça quando a usou contra o peito do Materazzi. Ele sentiu e agiu. Mas não pensou.
Não preciso ver o Zidane para lembrar que sempre que esqueci essa regrinha _ e como ser humano a gente esquece muito _ perdi alguma coisa. Por outro lado, quando algo dava certo, eu via depois que geralmente essa tinha sido a ordem das coisas. Experimentem, façam vocês mesmos. Ou pelo menos pensem sobre o que sentiram a respeito.
4. Dinheiro. É por isso que você está nisto?
Sem hipocrisia, dinheiro é importante.
E essa profissão tem dinheiro para oferecer a quem tem o que oferecer.
No meu caso, é bom esclarecer: venho de uma família de classe média baixa.
Meu pai é maranhense, minha mãe é capixaba, sou carioca e meu irmão mais novo é paulista. É a própria rota da migração dos anos 1950 e 1960: do Nordeste para o Sudeste.
E mais: eu nasci no dia 1º de junho. Meu irmão nasceu no dia 1º de agosto. E acho que a razão para esse dia acontecer duas vezes seguidas é que lá em casa só era permitido nascer depois do dia do pagamento.
Essa piada que faço, sempre me ajuda a lembrar que não herdei dinheiro. Tive que ganhá-lo. E tendo que fazer isso aprendi o seguinte: não vá atrás do dinheiro. O dinheiro é um bicho arredio, desconfiado, astuto. Se fosse um animal seria uma raposa. O dinheiro se entoca, se esconde e não gosta de sentir que você está atrás dele.
O caminho para ganhar dinheiro nesta profissão é outro. Procure as melhores agências ou empresas e não necessariamente o melhor salário. Procure trabalhar com profissionais que você conferiu que têm um bom trabalho e não apenas um bom RP.
Procure a melhor oportunidade de crescer e não o brilho fácil das propostas que fazem você pular de emprego em emprego até terminar num salário sem saída.
Tente se tornar um artesão do seu ofício, um especialista da sua arte, um estudioso da sua posição. No dia que isso acontecer, o dinheiro sairá da toca e irá sózinho até você.
Vai chegar manso e deitar ronronando como um gato na sua conta bancária.
E enquanto você continuar focado em ser melhor do que em ganhar mais, vai sempre ganhar mais.
5. Se o mundo faz zig, faça zag.
Na NEOGAMA e na BBH, nosso logotipo é uma ovelha negra. E o nosso lema é “Se o mundo faz zig, faça zag”.
Isso quer dizer que nós temos nosso próprio caminho e não seguimos com a manada.
É um posicionamento que é excelente para a propaganda das marcas, mas para mim é ainda mais importante como filosofia de vida e de trabalho. Na prática implica em algumas responsabilidades. Por exemplo: nós não trabalhamos com contas de governo, não atendemos contas políticas e não fazemos publicidade para candidatos a cargos públicos. Enquanto a maioria das agências sempre fez zig nesse assunto, nós preferimos fazer zag.
O fato é que no último ano todos viram o que a corrupção fez na imagem da propaganda. Vimos agências e “profissionais” da área envolvidos em escândalos com o governo e vimos muita merda atingir as hélices do ventilador da profissão.
Infelizmente vocês estão chegando ao mercado num momento emblemático. Ou felizmente vocês estão chegando ao mercado num momento emblemático.
Porque essa propaganda e esse marketing que foram expostos nos jornais e na TV não são a profissão que amo exercer e que vocês escolheram como profissão.
A verdadeira propaganda é baseada no poder da idéia e não na idéia de poder. Ela tem a função de vender e não de se vender. É a alma do negócio. E não a mala do negócio. Vocês, que estão chegando agora sem vícios ao mercado de trabalho, podem e devem mudar esse quadro. A ética deve ser cobrada e praticada por vocês e pelas empresas nas quais sua geração vai trabalhar e liderar. Por isso, não aceitem menos que o certo. Não pratiquem menos que o ético. Não confundam criatividade com esperteza.
Quando vocês sentirem que algo em que estão envolvidos parece errado, é porque provavelmente está errado. Nesse caso, lembrem-se que sempre existirá o livre-arbítrio. Ou seja: vocês podem decidir se querem ir naquela direção esperta só porque a manada está indo. Ou se preferem seguir o próprio nariz e os princípios como qualquer ovelha negra que se preze.
Façam zag. O resto que se zig.
6. Sonhe acordado.
É quase um clichê: todo mundo tem um sonho.
Vocês provavelmente têm o seu. O meu sonho profissional era fazer uma agência de propaganda. Hoje, a NEOGAMA é a agência que mais cresceu no Brasil no ano passado. Somos sócios da BBH. E este ano fomos apontados como a melhor rede de agências do mundo pela Advertising Age.
Falando assim, as coisas parecem assustadoramente fáceis,
mas a verdade é que muitas vezes isso esteve mais para sonho do que para realidade.
Tive que ralar muito, errar muito, aprender muito, insistir muito e reclamar pouco.
E foi assim que descobri que sonho é uma palavra romântica, mas perigosa, que induz você a fechar os olhos e imaginar em vez de abrir e realizar.
Por mais irônico que seja, para valer a pena sonhar, você precisa estar acordado. Bem acordado.
E vai passar muitas noites sem dormir por causa do seu sonho.
O que me leva à última parte do meu recado a vocês.
7. Você só vê que está indo pra frente quando deixa um obstáculo pra trás.
“Não reclame dos obstáculos da vida.”
Esse é o primeiro parágrafo do texto do filme de posicionamento da marca Mitsubishi.
Quando escrevi esse texto, quatro anos atrás, estava tentando explicar um 4 x 4 que é basicamente uma máquina de enfrentar obstáculos. Por incrível que pareça, isso me fez entender o paralelo entre um diferencial autoblocante com suspensão independente nas quatro rodas e as pessoas que dão certo na vida. As pessoas que dão certo na vida não são aquelas que nunca perderam. Mas sim aquelas que caíram, recusaram-se a ficar deitadas em berço esplêndido e foram em frente. Machucaram-se, sofreram perdas, mas assumiram que o caminho é duro mesmo e nunca pararam para lamentar ou ficar com pena de si mesmas. Vencer não é o contrário de perder. Isso é no futebol, onde dá até pra empatar. Na vida, vencer é o contrário de desistir. A vida de vocês não vai ser fácil. Nisso ela será mais parecida com off-road do que com on-road. A diferença entre cada um aqui hoje será fundamentalmente uma: quem vai persistir e quem vai desistir. Não desistam. Sempre que ligo meu celular, ele me devolve uma mensagem que escrevi para mim mesmo. Ela diz: “Nunca desista”. E todo dia, antes da primeira ligação, ela me lembra, me chacoalha, me incomoda, me tira do conforto.
Resumindo: tenham coração, usem a cabeça e vão à luta.
E sonhem acordados, bem acordados.
Por isso, apesar de agora ser noite, eu desejo a vocês: bom dia.